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Crianças que procuram UBS e pronto-socorro repetidas vezes merecem atenção especial

02/06/2017 - Cardiologia

O câncer pediátrico pode ser de difícil diagnóstico em postos de saúde e pronto-socorros, já que os sintomas e sinais da doença podem ser bastante inespecíficos e heterogêneos, e os profissionais da atenção primária podem se sentir despreparados para identificar suspeitas de tumores e fazer o seguimento adequado.

Uma das sessões do XV Congresso Brasileiro de Oncologia Pediátrica, realizado em novembro, no Rio de Janeiro, abordou orientações, diretrizes e práticas que médicos de família, pediatras e emergencistas precisam ter em mente para lidar com tumores na população infantil.

Sinais e sintomas

Para a oncopediatra Dra. Carmem Fiori, professora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), médica da União Oeste Paranaense de Estudos e Combate ao Câncer e do Hospital Universitário do Oeste do Paraná, a dificuldade diagnóstica se dá em função da heterogeneidade dos sinais e sintomas. Os sintomas são inespecíficos, podendo manifestar como mal-estar generalizado, anemia, cefaleia/vômitos, dor articular/óssea, febre e aumento dos gânglios. Ela apresentou dados de um estudo desenvolvido por Maria Cecilia Lunardelli da Silva, sob sua orientação, que avaliou sinais e sintomas de alerta que levaram os médicos da atenção primária a encaminhar pacientes com menos de 19 anos a centros de referência em oncologia pediátrica. A monografia de conclusão de curso de aperfeiçoamento/especialização apresentada em 2016 na Unioeste, e cujos dados ainda não foram publicados, mostrou que linfonodomegalia foi o principal sintoma que motivou o encaminhamento, seguido por anemia e palidez.

A médica apresentou fluxogramas presentes no “Diagnóstico precoce do câncer na criança e no adolescente”, publicação do Ministério da Saúde, do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) e do Instituto Ronald McDonald[1]. De acordo com o manual, em casos de leucemia, a principal neoplasia pediátrica, são sinais e sintomas de alerta: palidez, sangramentos, febre, dor óssea, dor articular, hepatoesplenomegalia e linfonodomegalias. A presença de um ou mais destes sinais exige a solicitação de hemograma com urgência. Se o hemograma mostrar “alterações em duas ou mais séries (anemia e/ou leucopenia/leucocitose e/ou plaquetopenia), o paciente deve ser encaminhado para um serviço especializado em onco-hematologia pediátrica”.[1]

Já no caso dos linfomas, são sinais e sintomas linfonodomegalia sem foco infeccioso e/ou febre de origem indeterminada e/ou sudorese noturna e/ou perda de peso. No caso de tumores abdominais, são sinais e sintomas de alerta: massa abdominal palpável de rápido crescimento, bem como dor abdominal recorrente e/ou massa abdominal e/ou perda de peso e/ou hematúria e/ou febre de origem indeterminada e/ou hipertensão arterial e/ou sinais de Cushing e/ou alteração do hábito intestinal/urinário. Outro ponto suspeito é o aumento de volume testicular.[1]

Quando se fala em retinoblastoma, a leucocoria (“reflexo de olho de gato”, reflexo branco-amarelado) é o sinal mais comum. Para tumores ósseos, a dor óssea e/ou o aumento de volume da região acometida com sinais inflamatórios exige raio x.

“Mesmo que não encontre alteração, vale repeti-lo até quando for necessário”, disse a médica. E, no caso de tumores de partes moles, o aumento progressivo de volume (massa ou nódulo) é suspeito e exige ultrassonografia da região.

A médica destacou que o profissional da atenção primária, diante de manifestações como febre e palidez, comumente diagnostica virose. No entanto, como uma virose melhora em cerca de sete dias, se o paciente persiste com os sinais ou há progressão, é necessário investigar mais.

“Não se pode observar uma criança com caroços, manchas no corpo, petéquias e pensar em virose”, destacou a Dra. Carmem, lembrando que “é preciso pensar em câncer no caso de crianças que vão repetidamente à unidade básica de saúde. É importante dar valor e respeitar a insistência da mãe”.

 

Para a palestrante, a capacitação dos profissionais da atenção primária é fundamental, com iniciativas como o Programa Diagnóstico Precoce, parceria do Instituto Ronald McDonald, do INCA e da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica, que já capacitou mais de 20 mil profissionais de Saúde de Família e médicos do SUS.

O pediatra frente ao câncer

Segundo a Dra. Denise Bousfield da Silva, médica do Hospital Infantil Joana de Gusmão e professora da Universidade Federal de Santa Catarina, o pediatra tem papel importante no diagnóstico precoce, atendimento de urgência/emergência, cuidados gerais e de suporte, paliativos e das sequelas seguidas ao tratamento, e na prevenção do câncer na idade adulta.

No caso do tratamento e seguimento da criança e do adolescente com câncer, é preciso estabelecer um plano sistemático de avaliação, “inteirando-se do diagnóstico, do tratamento efetuado e dos possíveis eventos adversos secundários à terapêutica utilizada, ou seja, implantando um modelo de cuidado compartilhado”. Também cabe ao pediatra apoiar nas dificuldades psicossociais.

Para a Dra. Denise, os pediatras precisam se familiarizar com a toxicidade aguda dos quimioterápicos mais utilizados. Ela lembrou que os agentes alquilantes impedem a duplicação do DNA. A mielossupressão, as náuseas e vômitos e a alopecia podem ocorrer, por exemplo, com o uso de ciclosfofamida, ifosfamida, cisplatina e carboplatina[2]. Outros efeitos que podem surgir, dependendo da droga, são cistite, cardiotoxicidade, neurotoxicidade, nefrotoxicidade, ototoxicidade e hepatotoxicidade. O médico deve conhecer também a toxicidade aguda de agentes antimetabólicos, que bloqueiam a síntese de DNA, e de derivados de plantas, que são inibidores mitóticos, bem como de outros medicamentos usados em pacientes com câncer, como os corticosteroides, especialmente receitados em leucemia e linfoma. Esses podem levar ao aumento do apetite, obesidade, pancreatite, imunossupressão, miopatia, úlcera péptica, distúrbios psiquiátricos, catarata, hipertensão, hiperglicemia, amenorreia e falha no crescimento.[2]

Com relação aos cuidados paliativos, a especialista destacou que eles “devem iniciar já no momento do diagnóstico e não apenas quando o paciente está em estado terminal”. O objetivo nesse momento é controlar a dor e outros sintomas, bem como fornecer atenção psicológica, social e espiritual, considerando as necessidades individuais, os valores, as crenças e a cultura.

“A dor é um aspecto muito relevante. Precisamos determinar o tipo de dor e a causa”, destacou a Dra. Denise, lembrando que ela pode ser nociceptiva, neuropática, secundária ao tumor e secundária ao tratamento.

“A analgesia adequada é aquela que tira a dor do paciente, com menor efeito adverso”, afirmou.

Ela lembrou que a mucosite merece atenção especial, pois ocorre em 80% das crianças submetidas à quimioterapia[2]. Nesse caso, a profilaxia pode ser feita com “laserterapia de baixa potência, crioterapia, bochecho com hidróxido de alumínio e vitamina E e higiene oral, remoção dos focos de infecção, lubrificação dos lábios e orientação alimentar[2,3]“. Os bochechos com vitamina E e hidróxido de alumínio e a laserterapia também podem ser usados no tratamento dessa condição, além de bochechos com clorexidina 0,12%, e opioides, entre outros.[2,3]

Outro aspecto comum em pacientes pediátricos com câncer é a anemia. Segundo a Dra. Denise, estudos apontam que este quadro ocorre em 51 a 97% dos pacientes, sendo que mais de 80% das crianças em quimioterapia o apresentam. Dessa forma, o pediatra pode atuar também na hemoterapia. [2,4,5,6]

Atendimento na emergência

O pronto-socorro pode ser uma das portas de entrada para a criança com câncer. Segundo a Dra. Marilia Grabois, médica do Serviço de Oncologia Pediátrica do INCA, um estudo americano[7] mostrou que 18% (77 em 427 casos) dos pacientes pediátricos com câncer foram diagnosticados pela Emergência. Desse total, 37% apresentaram doença hematológica, 31,2% tumor no sistema nervoso central (SNC) e 22,1% tumores abdominais.

Entre as neoplasias específicas, a leucemia aguda aparece como a apresentação mais prevalente na Emergência. A médica afirmou, durante apresentação no congresso, que crianças com suspeita dessa doença apresentam mais comumente as seguintes complicações no PS: “síndrome de lise tumoral (hiperpotassemia, hiperfosfatemia, hiperuricemia e hipocalcemia): lise grave geralmente na presença de alta contagem de leucócitos; coagulopatia severa e hiperleucocitose. No caso de suspeita de linfomas, massa mediastinal”.

 

As condutas iniciais nas leucemias agudas e linfomas envolvem avaliação laboratorial, que inclui contagem de leucócitos, esfregaço periférico, ácido úrico, creatinina, potássio, fósforo, cálcio, coagulograma e cultura de sangue (se febril). Entram ainda nessa relação: raio x de tórax, início de hidratação venosa e iniciar alopurinol. Em caso de crianças febris, deve-se iniciar antibioticoterapia de amplo espectro. Na presença de sangramento, a médica lembrou que se recomenda fazer plaquetas, plasma fresco ou criopreciptado. Se houver anemia severa, deve-se realizar transfusão de concentrado de hemácias.[8]

O tumor cerebral, segundo a Dra. Marilia, é o segundo tumor mais prevalente na Emergência em pacientes pediátricos. Entre os sinais e sintomas dessa neoplasia, estão: “cefaleia persistente contínua ou recorrente, com duração maior do que quatro semanas, em qualquer período do dia ou da noite, náuseas e/ou vômito; sintomas visuais (baixa visão, baixo campo visual, nistagmo, fundoscopia anormal, diplopia, anisocoria); sintomas motores (marcha anormal, descoordenação, ataxia, anormalidades focais); alteração do crescimento; mudança de comportamento; diabetes insipidus; convulsões e alteração da consciência”. [9]
Caso o paciente com suspeita de tumor cerebral esteja hemodinâmica ou neurologicamente instável por conta da hipertensão intracraniana, a médica lembrou que a tomografia computadorizada de crânio de urgência sem contraste pode ser apropriada. Além disso, enquanto se aguarda o neurocirurgião é importante fazer “dexametasona 1-2 mg/Kg em bolus (dose máxima 10 mg), manutenção 1,5 mg/Kg/dia: a cada seis horas (máx./dose = 4mg)”, e avaliar a necessidade de intubação e hiperventilação.

Já os tumores abdominais configuram o terceiro grupo de neoplasia pediátrica mais prevalente no Pronto-Socorro. E o aumento rápido e progressivo do volume abdominal, associado à presença de massa palpável e outros aspectos citados anteriormente são sinais e sintomas do quadro.

Para a médica, os profissionais devem “dar atenção especial aos pacientes que comparecem repetidas vezes ao PS com queixas persistentes”. Ela lembrou que, muitas vezes, a abordagem pelo pediatra emergencista é “o primeiro passo para agilizar o diagnóstico, adotando as primeiras medidas de suporte e contribuindo para um bom prognóstico da criança com câncer”.

Atenção especial à febre

Segundo a Dra. Ana Lucia Munhoz Cavalcanti de Albuquerque, infectologista do Hospital Federal da Lagoa, no Rio de Janeiro, episódios febris são observados em 34% dos períodos de neutropenia em crianças com câncer tratadas. A bacteremia, por sua vez, acontece em 10 a 20%, sem etiologia determinada. [10,11]

A médica lembrou que a febre é um sinal de alerta, uma urgência médica, visto que crianças com câncer têm maior chance de infecções graves, que podem levar ao óbito. Merecem atenção especial os pacientes que apresentam neutropenia profunda por mais de sete dias após quimioterapia e/ou que apresentam hipotensão, pneumonia, dor abdominal recente ou alterações neurológicas. Segundo a especialista, eles configuram um grupo de alto risco e que deve ser admitido ao hospital para terapia empírica. [12]

A Dra. Ana Lucia lembrou que, durante a anamnese da criança com câncer e febre, o médico deve estar atento a questões importantes, por exemplo, “a hora do início da febre e os principais sintomas associados; se a doença está em atividade ou em remissão; data da última quimioterapia; presença de cateter de longa duração; presença de outros dispositivos invasivos ou próteses; se foi realizado procedimento cirúrgico recentemente; se houve internação prévia com utilização de antibióticos; se houve colonização prévia por patógenos multirresistentes e se a criança está em uso de corticoide sistêmico”.

Já no exame físico são sinais de alerta, enumerou a médica, “taquicardia desproporcional à intensidade da anemia; perfusão periférica superior a três segundos; pulsos filiformes ou hipotensão arterial; alteração do nível de consciência; diminuição do débito urinário; mucosite, dor perianal ou diarreia”. Ela destacou ainda que o exame físico do paciente deve ser feito com ele despido para que seja possível observar qualquer alteração no corpo da criança, sendo também importante apalpá-la.

Quanto à conduta médica, esta deve envolver a realização de exames laboratoriais iniciais (hemograma e hemoculturas). No entanto, pode surgir a necessidade de outros exames. A Dra. Ana Lúcia lembrou a indicação de radiografia de tórax quando há sintomas respiratórios e/ou alterações de ausculta pulmonar. Também pode ser necessário fazer culturas de outros espécimes clínicos, bem como outros exames de imagem e laboratoriais.

“É importante destacar que não podemos atrasar o início da antibioticoterapia se não conseguirmos fazer a hemocultura”, disse ela.

A Dra. Ana Lúcia destacou ainda a importância da prevenção. Os profissionais devem orientar os cuidadores e os pacientes quanto à adoção de cuidados domiciliares para evitar infecções, por exemplo, “evitar locais aglomerados ou pouco ventilados, bem como o contato com pessoas com doenças infecciosas; lavar as mãos antes das refeições, após usar o banheiro e ao chegar da rua; evitar alimentos crus; evitar o uso de medicamentos como dipirona ou paracetamol sem orientação médica e, se a febre ou o mal-estar persistirem, procurar atendimento médico rapidamente”.

 

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