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Fibrose cística: tobramicina inalatória chega ao Sistema Público de Saúde brasileiro

15/05/2017 - Com Banner

No final de outubro a tobramicina inalatória foi incorporada ao Sistema Único de Saúde (SUS) do Brasil. O antibiótico, da classe dos aminoglicosídeos, é usado para o tratamento da infecção crônica por Pseudomonas aeruginosa das vias aéreas em pacientes com fibrose cística. A medida foi tomada após consulta pública e discussão de especialistas da Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias no SUS (Conitec).

De acordo com o Relatório de Recomendação de outubro de 2016 da Conitec[1], o uso do medicamento leva a um ganho de 12% na função pulmonar aferida pelo VEF1 (volume expiratório forçado em um segundo), reduz a contagem de colônias de P. aeruginosa e diminui em 26% as internações (IC de 95%, 2-43%). Esses dados foram publicados em 1999 no New England Journal of Medicine a partir de um estudo conduzido com 520 pacientes atendidos em 69 centros de fibrose cística dos Estados Unidos[2].

O benefício da incorporação do medicamento também aparece na literatura com relação ao impacto econômico e é citado na publicação da Conitec. Uma análise realizada no Canadá observou redução de 43% nos dias de internação e de 44% nos gastos com antibioticoterapia[3]. Considerando o contexto brasileiro, a comissão estimou que o impacto anual da incorporação do medicamento será de R$ 3.205.440,80.

Quanto à posologia, o relatório recomenda nebulização com uma ampola de uso único (300 mg) duas vezes ao dia por 28 dias. O medicamento deve ser usado em ciclos alternados de 28 dias, ou seja, após 28 dias em uso do antibiótico, o paciente deve permanecer 28 dias sem utilizar a medicação. A tobramicina inalatória é contraindicada em crianças menores de seis anos de idade, bem como em gestantes e durante a amamentação. A publicação salienta ainda que “segurança e eficácia também não foram demonstradas em pacientes com VEF1 menor que 25% ou superior a 75% previsto ou em pacientes colonizados com Burkholderia cepacia“.

Para o pneumologista pediátrico Dr. Norberto Ludwig Neto, a incorporação da tobramicina inalatória à lista do SUS apenas oficializa uma prática que já vinha sendo utilizada no tratamento de pacientes há tempos no país.

“Esse medicamento é uma das várias estratégias terapêuticas utilizadas para tratar o paciente com fibrose cística. O tratamento dessa enfermidade é complexo e exige atenção multidisciplinar”, disse o especialista, que é presidente do Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística, chefe do Serviço de Pneumologia Pediátrica do Hospital Infantil Joana de Gusmão, em Florianópolis (SC), coordenador do Serviço de Fibrose Cística e Triagem Neonatal para Fibrose Cística da Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina e presidente do Departamento de Pneumologia da Sociedade Catarinense de Pediatria.

A doença no país

Ainda não se conhece a incidência dessa doença genética autossômica recessiva em todos os estados brasileiros. Segundo o Dr. Ludwig Neto, as taxas variam. Como ela predomina na população caucasiana, estados da Região Sul do país apresentam incidências maiores, com média de 1:8.000 nascidos vivos.

Espera-se, no entanto, que com a ampliação da incorporação do diagnóstico de fibrose cística na triagem neonatal no país, as informações se tornem mais precisas. Apenas estados habilitados à fase III do Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) estão aptos a incorporar a detecção da fibrose cística no rol de procedimentos da triagem neonatal. Segundo nota informativa do PNTN de 2012, a cobertura nacional de triagem para esta enfermidade era de 47,93%[4].

“A fibrose cística é causada por uma mutação no braço longo do cromossomo 7. Na verdade, existem mais de 2.000 mutações descritas associadas à doença e essas mutações são classificadas em sete grupos quanto às manifestações da enfermidade. O grau 1 apresenta manifestações clínicas mais severas e o grau 7 menos graves”, explica o médico, acrescentando que, no Brasil, a mutação mais frequente é a delta F508 (grau 2), representando de 40% a 45% dos diagnósticos no país.

Em termos bioquímicos, a fibrose cística altera um gene que produz uma proteína chamada CFTR (cystic fibrosis transmembrane conductance regulator, em inglês). Trata-se de uma proteína transmembrana que regula o transporte do cloro entre os meios intra e extracelular. A mutação leva à desregulação desse canal e a um desequilíbrio nas concentrações iônicas. Como consequência, as células ciliadas do pulmão perdem função, o que causa acúmulo de muco e maior suscetibilidade a infecções.

“Mas, os problemas não param apenas no campo respiratório e pacientes com fibrose cística podem desenvolver várias outras complicações como por exemplo, sobrecarga cardíaca, alterações gastrointestinais e hepáticas, insuficiência pancreática, diabetes, dificuldades locomotoras e osteoporose e, até mesmo infertilidade, no caso de pacientes do sexo masculino”, esclarece o pneumologista.

Tratamento multidisciplinar

Segundo o Dr. Ludwig Neto, atualmente existem 44 centros de referência em fibrose cística no país. Essas unidades prestam atendimento integral e multidisciplinar aos pacientes.

“O tratamento envolve a utilização de enzimas pancreáticas, que devem ser ministradas a cada refeição, para que o paciente consiga absorver os nutrientes, e o uso de suplementação vitamínica (A, D, E e K)”, aponta o médico, salientando que o suporte dietético, com acompanhamento de um nutricionista é muito importante, pois a desnutrição prejudica a resposta ao tratamento. Além disso, quando há insuficiência hepática, é importante administrar ácido ursodesoxicólico.

Para as manifestações pulmonares da doença são prescritos mucolíticos. O Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Fibrose Cística do Ministério da Saúde[5] recomenda o uso de alfadornase, sendo a dose recomendada para a maioria dos portadores da doença uma ampola de 2,5 mg uma vez ao dia, utilizando nebulizador. Alguns, no entanto, podem se beneficiar com a administração duas vezes ao dia. A fisioterapia respiratória é outra estratégia fundamental no tratamento.

A essas terapias, somam-se os antibióticos inalatórios, que têm ação antipseudomonas, tal como a tobramicina. Há ainda fármacos antiestafilococos, diz o especialista, lembrando que também são usados antibióticos orais.

“Os pacientes recebem ainda suporte da área de enfermagem que auxilia, por exemplo, com o ensino de técnicas corretas de higienização dos inaladores e nebulizadores, bem como a correta assepsia das mãos. Outro suporte importante é o da psicologia.”

No primeiro ano de idade, os pacientes devem ir ao Centro de Referência de fibrose cística mensalmente e, além de todo o suporte citado, as crianças são acompanhadas por pediatras e puericultura.”Também é feita a coleta de material de secreção frequentemente para investigar se há infecções”, afirma o médico.

Quando os pacientes residem em áreas distantes do centro, eles são encaminhados para profissionais locais para dar continuidade ao tratamento.

“Atualmente, o Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística está concluindo a elaboração das diretrizes terapêuticas para fibrose cística. É um trabalho que será publicado em breve no Jornal de Pneumologia. Além disso, temos a intenção de iniciar, a partir de 2017, um treinamento em todos os Centros de Referência do país, capacitando-os para que possam ter todos os equipamentos para o diagnóstico e também uma equipe qualificada para o atendimento desses pacientes. Temos a intenção de padronizar os serviços em todo o país”, destaca o pneumologista.

Perspectivas futuras

Atualmente, já estão disponíveis nos Estados Unidos e na Europa medicamentos que seguem uma nova linha de fármacos: os moduladores ou corretores da proteína CFTR. As drogas ainda não foram liberadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para comercialização no Brasil.

Trata-se do ivacaftor, um remédio utilizado por via oral, aprovado para o uso em pacientes com seis anos ou mais de idade que tenham pelo menos uma mutação G551D no gene CFTR. Segundo o Dr. Ludwig Neto, essa mutação é de grau 3.

Quando o medicamento foi testado em 161 pacientes com 12 anos ou mais, sendo ministrado 150 mg duas vezes ao dia, na 24ª semana de tratamento, observou-se aumento de 10,6% no VEF1 e redução de 55% no risco de exacerbações pulmonares. Além disso, os pacientes ganharam 3,1 kg[6,7].

“Com o medicamento, ocorre praticamente uma normalização do sódio e do cloro, uma melhora importante da função pancreática e também pulmonar. A espirometria melhora bastante. Mas, infelizmente é só para um tipo de mutação que, no Brasil, corresponde apenas a 1% dos pacientes”, lembra o médico.

Outro medicamento dessa nova classe de fármacos disponível no Exterior é o lumacaftor. O uso dessa droga em associação com o ivacaftor é indicado em pacientes homozigotos para a mutação delta F508.

Segundo estudo do periódico The New England Journal of Medicine[8] de 2015, 1.108 pacientes com 12 anos ou mais foram designados aleatoriamente para receber 600 mg uma vez ao dia ou 400 mg a cada 12 horas de lumacaftor em combinação com 250 mg a cada 12 horas de ivacaftor ou placebo por 24 semanas. Nesse caso, tanto o grupo de tratamento quanto o placebo tiveram ganhos na VEF1, com diferença relativa média de tratamento de 4,3% a 6,7%. Os resultados quanto às exacerbações pulmonares foram mais robustos, com redução de 30% a 39% no grupo de intervenção. Essa população também apresentou menor taxa de hospitalização e de uso de antibiótico intravenoso.

“Os estudos com essa classe de medicamentos ainda estão em estágio inicial, mas os laboratórios já estão buscando drogas com atuação em outras mutações e testando as existentes em mais mutações. Podemos dizer que este é o primeiro passo para a cura da fibrose cística. Estima-se que ela possa ser realidade em 10 anos”, afirma o Dr. Ludwig Neto.>

 

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