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Associação de benzodiazepínicos com opioides é comum na doença de Alzheimer

19/09/2019 - Notícias

Um em cada cinco pacientes com doença de Alzheimer (DA) que tomam algum benzodiazepínico também toma algum opioide, mostram os resultados de um grande estudo finlandês.

No estudo Finnish Medication and Alzheimer’s, os pesquisadores descobriram que um quinto dos pacientes com doença de Alzheimer que recebiam algum benzodiazepínico também tomavam opioide. Além disso, 50% dos usuários de benzodiazepínicos e opioides concomitantes estavam tomando esses medicamentos há mais de três meses – período indevidamente prolongado –, independentemente do quadro de Alzheimer.

Os pacientes com Alzheimer usando benzodiazepínicos também receberam prescrições de opiáceos em doses mais fortes do que os pacientes que não tinham a doença.

“O uso concomitante de benzodiazepínicos e opioides foi comum em pessoas com ou sem Alzheimer, mas aqueles com a doença receberam prescrição de opioides fortes com mais frequência do que pessoas pareadas, e metade dos usuários continuou usando esses medicamentos por mais de três meses consecutivos”, disse ao Medscape a primeira autora do estudo, Dra. Niina Karttunen, Ph.D. (Pharm), da University of Eastern FinlandKuopio Research Center of Geriatric Care.

“O uso concomitante prolongado foi associado a fatores de risco, como osteoporose e história de fratura de quadril – esses pacientes são vulneráveis a quedas e fraturas, riscos conhecidos dessas duas classes farmacológicas”, disse a pesquisadora.

O estudo foi publicado on-line em 29 de outubro no periódico International Journal of Geriatric Psychiatry.

Uso generalizado e problemático

Os benzodiazepínicos e medicamentos relacionados são “amplamente usados entre os pacientes idosos, especialmente para o tratamento de sintomas bastante comuns, como ansiedade e insônia”, observaram os autores.

No entanto, seu uso é problemático, por estarem associados a sedação, dependência, quedas e fraturas e, portanto, só é aprovado durante curtos períodos (inferior a quatro semanas), indicaram os autores.

O uso concomitante de benzodiazepínicos e analgésicos opioides parece estar aumentando, o que também aumenta a prevalência de eventos adversos. As classes farmacológicas causam sedação e tontura, predispondo os idosos a quedas e fraturas.

As diretrizes clínicas alertam contra a prescrição simultânea de medicamentos de efeito central e, portanto, “o uso concomitante de benzodiazepínicos, medicamentos relacionados e opioides em uma população mais velha, para a qual essa combinação costuma ser contraindicada, representa um problema de saúde pública associado a vários riscos”, afirmaram os autores.

“Nosso grupo de estudo havia avaliado anteriormente o uso de benzodiazepínicos e opiáceos separadamente e, depois disso, estávamos interessados no uso concomitante desses medicamentos, mas não encontramos nenhum trabalho sobre idosos com doença de Alzheimer, e isso nos motivou a fazer este estudo”, disse a Dra. Niina.

Para investigar a questão, os pesquisadores usaram dados do estudo MEDALZ, realizado de 2005 a 2011 (N = 70.718) e que engloba todos os cidadãos finlandeses não institucionalizados com diagnóstico recente. Cada paciente com doença de Alzheimer foi pareado a uma pessoa de comparação por idade, sexo e região de residência na data do diagnóstico da doença de Alzheimer.

Os dados referentes a prescrições e diagnósticos foram extraídos de vários registros nacionais de saúde.

“Benzodiazepínicos e medicamentos relacionados” foram definidos como benzodiazepínicos e os hipnóticos Z; os opioides contemplaram os opioides fracos (codeína e tramadol), agonistas opioides parciais (buprenorfina) e opioides fortes (morfina, hidromorfona, oxicodona, fentanil, dextropropoxifeno e pentazocina).

O uso prolongado de benzodiazepínicos e medicamentos relacionados foi definido como sendo o uso contínuo de qualquer medicamento dessas classes por um período de 180 dias ou mais. O uso prolongado de benzodiazepínicos e medicamentos relacionados concomitantes a opioides foi definido como uso sobreposto de medicamentos dessa classe por um período de 90 dias ou mais.

Os pesquisadores também coletaram dados sobre uma série de comorbidades clínicas e psiquiátricas, bem como dados sobre nível socioeconômico; todos obtidos de registros nacionais.

Prática surpreendentemente comum

O estudo em tela teve 69.353 pacientes com Alzheimer e 69.353 pessoas sem a doença (média de idade de 80,0 anos; desvio padrão, DP = 7,1 anos; 65,1% mulheres).

Benzodiazepínicos e medicamentos relacionados estavam sendo usados por 41% dos indivíduos com Alzheimer, em comparação com 35,3% das pessoas sem a doença (< 0,001).

Quando os pesquisadores analisaram apenas os usuários dos benzodiazepínicos e medicamentos relacionados, descobriram que as pessoas sem a doença tinham maior probabilidade de receber uma prescrição de opioides do que as com Alzheimer (31,6% e 21,0%, respectivamente).

O uso prolongado concomitante de benzodiazepínicos e medicamentos relacionados e opioides (≥ 90 dias) foi mais comum entre os pacientes sem Alzheimer que usavam essa classe do que entre os que tinham a doença (16,1% vs. 10,4%, respectivamente).

Resultados semelhantes foram obtidos se a duração do uso concomitante fosse reduzida para o intervalo entre 1 e 89 dias (15,6% e 10,4%, respectivamente).

Para pessoas sem doença de Alzheimer, a mediana do tempo de uso concomitante de benzodiazepínicos e medicamentos relacionados e uso de opioides foi de 224 dias (intervalo interquartil, IQR, de 124 a 519); para pessoas com Alzheimer, foi de 202 dias (IQR de 123 a 406; P < 0,001).

A mortalidade foi maior entre aqueles com Alzheimer do que entre aqueles sem a doença (26,1% vs. 20,7%, respectivamente), assim como a frequência de internação em instituições de longa permanência (21,2% vs.7,2%, respectivamente). Isso encurtou o tempo de acompanhamento daqueles com a doença para uma mediana de 1.095 dias (IQR de 637 a 1.698); para aqueles sem Alzheimer, foram 1.370 dias (IQR de 781 a 2.010) (P < 0,001).

Em sua maioria, os pacientes que usaram benzodiazepínicos e medicamentos relacionados e opioides concomitantemente, independentemente do estado da doença de Alzheimer, tinham mais de 80 anos, eram do sexo feminino e tinham nível socioeconômico mais baixo.

Além disso, esses pacientes tinham mais comorbidades, como doença cardiovascular, diabetes, asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), artrite reumatoide, osteoporose, câncer em atividade, depressão ou doença bipolar, história de fratura de quadril, uso abusivo de substâncias químicas e uso prolongado de benzodiazepínicos e medicamentos relacionados.

Em modelos de regressão logística ajustados e não ajustados, a doença de Alzheimer teve relação inversa com o uso prolongado concomitante de benzodiazepínicos e medicamentos relacionados e opioides, em comparação com o uso de benzodiazepínicos e medicamentos relacionados sem o uso concomitante prolongado de opioides.

Além disso, ser do sexo feminino, ter baixo nível socioeconômico e todas as comorbidades, exceto a esquizofrenia, foram associados ao uso concomitante entre todos os usuários de benzodiazepínicos e medicamentos relacionados.

As combinações de medicamentos mais usadas foram um medicamento Z com opioide fraco (31,7%) e um benzodiazepínico com um opioide fraco (29,9%), embora as pessoas com doença de Alzheimer tenham recebido mais frequentemente a prescrição de um benzodiazepínico com um opioide fraco do que de um medicamento Z com um opioide fraco (27,6% vs. 24,8%, respectivamente).

Além disso, combinações contendo buprenorfina ou um opioide forte foram mais comuns entre os pacientes com Alzheimer do que entre as pessoas sem a doença.

A Dra. Niina disse ter ficado surpresa com as descobertas.

“Eu presumia que o uso concomitante dessas classes fosse bastante comum, mas foi surpreendente constatar que cerca de metade de todos os usuários concomitantes eram usuários prolongados, que usaram essas classes farmacológicas por mais de três meses consecutivos”, disse a pesquisadora.

A Dra. Niina ressaltou que o uso concomitante prolongado dessas classes “deve ser evitado, mas, se necessário para alguns pacientes, deve ser rigorosamente monitorado e suspenso assim que possível”.

A autora acrescentou que, “todos os medicamentos devem ser revistos regularmente, especialmente em pessoas idosas com comprometimento da cognição”.

Priorizar alternativas não farmacológicas

Comentando sobre o estudo para o Medscape, o Dr. Keith Fargo, Ph.D., diretor de programas científicos e divulgação da Alzheimer’s Association, que não participou do estudo, disse que é relativamente comum que pessoas com demência acabem tomando medicamentos de menos ou demais”.
O comentarista recomendou que inicialmente sejam tentadas intervenções não farmacológicas para pacientes agitados com demência, antes de iniciar o tratamento com benzodiazepínicos. Essas intervenções englobam a modificação dos gatilhos ambientais de agitação ou a distração do paciente.
Alzheimer’s Association oferece uma lista de intervenções não farmacológicas.
É importante não “deixar que o pêndulo oscile muito na direção oposta”, advertiu o Dr. Keith.
A Dra. Niina concordou, afirmando que as abordagens não farmacológicas e os medicamentos contra a demência são recomendados como tratamentos de primeira linha dos sintomas comportamentais e psicológicos da demência, isto é, inquietação, ansiedade e alterações do sono.
Não foi informada nenhuma fonte de financiamento para o estudo. A Dra. Niina Karttunen e o Dr. Keith Fargo informaram não ter conflitos de interesses relevantes. As informações acerca dos conflitos de interesses dos outros autores do estudo constam no artigo original.

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