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Linfadenectomia ampliada aumenta a sobrevida após cirurgia de câncer gástrico

12/12/2019 - Notícias

Aproximadamente 85% dos pacientes com câncer de estômago são candidatos a cirurgia. A extensão da ressecção e da linfadenectomia é definida pela equipe médica, de acordo com a localização e o estadiamento do tumor e as condições clínicas do paciente. As Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Adenocarcinoma de Estômago, publicadas este ano, indicam que a literatura disponível sobre a eficácia e a segurança da linfadenectomia ampliada (D2) em comparação à linfadenectomia limitada (D1), ainda é inconclusiva. Uma pesquisa brasileira publicada recentemente no periódico EJSO trouxe novas evidências de que a linfadenectomia D2 é um fator prognóstico independente de sobrevida do paciente, inclusive após 10 anos.

A pesquisa retrospectiva avaliou 656 pacientes atendidos ao longo de mais de 20 anos (de 1994 a 2015) pela mesma equipe do Hospital do Câncer de Barretos. Os dados mostram que a linfadenectomia D2 melhorou a média de sobrevida total (37 vs. 16 meses) quando comparada a linfadenectomia D1 em três anos (51,1% vs. 32,2%), em cinco anos (43,2% vs. 26%) e inclusive em 10 anos (30,6% vs. 9,4%). Nenhum dos pacientes com linfonodos positivos submetidos apenas à linfadenectomia D1 chegou a 10 anos de sobrevida.

O trabalho, assinado pelo Dr. Durval Wohnrath e pelo Dr. Raphael L. C. Araújo, indica que, nesse estudo, o risco de morte aumentou de acordo com: idade (acima de 70 anos), grau da diferenciação tumoral, tumor com mais de 5 cm, mais de três linfonodos positivos e a cirurgia combinada (ressecções extra gástricas). Mas, mesmo nesses casos, a sobrevida dos pacientes que foram submetidos a linfadenectomia D2 foi maior em comparação com a dos submetidos a linfadenectomia D1.

Apesar de a literatura internacional indicar que a linfadenectomia D2 tem mais risco de complicações, o estudo brasileiro mostrou resultados diferentes. Não houve diferença significativa na incidência de nenhuma complicação (21% na D2 vs. 26,3% na D1), nem as complicações de grau 3 a 5, ou seja, que demandam intervenção cirúrgica, radiológica ou endoscópica, necessidade de UTI ou diálise (8,8% vs.11,9%), nem de óbito (4,0% vs. 5,9%), respectivamente.

“Pode existir um viés de seleção, até porque, como em tese a linfadenectomia D2 acarreta maiores riscos de complicações do que a cirurgia D1, o paciente com mais chances de complicações acaba não fazendo a D2”, disse ao Medscape o Dr. Raphael, “porém fizemos uma análise de propensão para diminuir essas discrepâncias, tentamos fazer pareamento para comparar melhor esse grupo de pacientes e, ainda assim, conseguimos observar um ganho de sobrevida entre os pacientes submetidos à linfadenectomia D2”.

“A linfadenectomia valorizada e bem-feita é muito mais comum no oriente do que no ocidente. Historicamente, os cirurgiões orientais exploraram mais esse tipo de refinamento cirúrgico”, acrescentou o Dr. Raphael, que é docente da pós-graduação do Hospital de Câncer de Barretos e professor adjunto de gastrenterologia cirúrgica da Escola Paulista de Medicina na Universidade Federal de São Paulo (EMP/Unifesp).

“Por outro lado, em um primeiro momento, os trabalhos ocidentais não mostraram o impacto da linfadenectomia D2 na sobrevida dos pacientes, e sim no aumento das complicações. Para nós, é um marco importante mostrar a qualidade cirúrgica como fator prognóstico”.

Linfadenectomia

Como não existem diretrizes nacionais ou internacionais para decidir qual paciente deve fazer a linfadenectomia limitada ou ampliada, a decisão é feita de acordo com a avaliação dos médicos, pela idade e pelo estado clínico. A linfadenectomia limitada prevê a ressecção dos linfonodos perigástricos (um a seis) e, ocasionalmente, sete a nove. Além destas, a linfadenectomia ampliada inclui os linfonodos da artéria gástrica esquerda, da artéria hepática, do tronco celíaco, da artéria esplênica proximal e do hilo esplênico.

Um dos achados do trabalho de Dr. Durval e Dr. Raphael é que, no estudo realizado no hospital de Barretos, 81,7% dos pacientes foram submetidos à linfadenectomia D2.

“O oncologista sempre prefere a linfadenectomia D2, porque oferece mais chances de cura, mas nem sempre essa é a escolha do cirurgião que realiza a operação. Muitas vezes temos de avaliar o que pode ser feito e o que o paciente pode tolerar. A linfadenectomia D2 deve ser oferecida como tratamento curativo aos pacientes com câncer gástrico sempre que possível, quando o paciente tiver um bom quadro clínico”, resumiu o Dr. Raphael.

Solicitado a comentar o trabalho, o Dr. Fabio Ferreira, cirurgião oncológico do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) e do Hospital Sírio Libanês, e professor livre docente da faculdade de medicina de Universidade de São Paulo (USP), disse que “os pacientes que fizeram a linfadenectomia ampliada tiveram melhor sobrevida, sugerindo que, de fato, a linfadenectomia ampliada tem um papel importante no controle da doença, independentemente de outros fatores. Mas temos de levar em consideração que este é um estudo retrospectivo, no qual os grupos não são comparáveis. Por exemplo, o percentual de pacientes com tumores de localização proximal é maior no grupo da linfadenectomia limitada e os tumores de localização proximal sabidamente têm pior prognóstico. Também houve mais pacientes acima dos 70 anos no grupo que fez a linfadenectomia limitada. Em relação ao número de linfonodos, a média do número de linfonodos no grupo D1 foi maior do que no grupo D2. Quando se faz uma análise multivariável incluindo outras variáveis de importância no modelo, de alguma forma elas acabam tendo certa influência“.

Segundo o Dr. Fábio, “feitas essas ressalvas, esse é um estudo importante, porque é uma casuística nacional expressiva, de um hospital de referência, publicado em uma revista de qualidade, e contribui com informações sobre a importância da linfadenectomia ampliada para o tratamento do câncer gástrico“.

“No Brasil ele não promove modificação da conduta, mas corrobora a ideia que a extensão da linfadenectomia no câncer gástrico é uma variável importante para o controle da doença, para fazer um bom estadiamento e não deixar doença remanescente, o que já é considerado padrão de tratamento cirúrgico para o câncer gástrico, afirmou.

Experiência do especialista

Mas a linfadenectomia D2 é mais difícil e trabalhosa do que a D1 e, mesmo que no Brasil não exista uma análise comparativa dos desfechos entre os hospitais, o pequeno número de casos por cirurgião/ano e a falta de treinamento específico parecem estar associados ao aumento da mortalidade. Assim, a recomendação do Ministério da Saúde é clara: “a técnica deve se basear na experiência do especialista em identificar o paciente que mais se beneficiará, bem como na própria habilidade técnica.

“A pesquisa enfatiza que, quando bem-feita, a linfadenectomia D2 pode ser realizada sem que o risco de complicações aumente. Portanto, se a qualidade da cirurgia impacta na sobrevida dos pacientes, o segredo não é reduzir a extensão da ressecção, mas buscar melhores técnicas de realização da cirurgia” acrescentou o Dr. Raphael, que também é diretor científico da Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica (SBCO).

“Em um país como o Brasil, com restrição de recursos para a saúde, é bom saber que temos o principal, que é o cirurgião. O câncer gástrico precisa de tratamento cirúrgico e sistêmico, o aceso à quimioterapia e à radioterapia é menor nas regiões distantes dos grandes centros. A formação de qualidade de bons cirurgiões oncológicos poderia impactar mais do que o acesso à quimioterapia ou à radioterapia. Se a qualidade da cirurgia é o principal fator de impacto, e primamos por uma cirurgia bem-feita, trazendo os melhores resultados, talvez esse seja o tratamento mais barato e eficaz em termos de saúde pública”, concluiu.

O Dr. Durval Wohnrath, o Dr. Raphael Araújo e o Dr. Fábio Ferreira informaram não ter conflitos de interesses relevantes.

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